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A morte é um dia que vale a pena viver


Vamos falar sobre ela? Essa persona non grata que um dia inevitavelmente baterá em nossas portas? Aquela visita sem modos, que chega invadindo a nossa vida sem ser convidada, para a qual todos nós, necessariamente, daremos as boas-vindas. Porque sim, se é indeclinável abrir-lhe as portas, que seja então muito bem-vinda: a morte.


“A morte é um dia que vale a pena viver.”


Esse é um livro que todo mundo deveria ler.


Porque além de valer a pena vivê-la, é mandatário falar sobre ela, embora esse assunto seja repelido por todos em nossa sociedade.


A Ana Cláudia é uma pessoa privilegiada. Ela tem a chance de viver e perceber diariamente a transcendência que é morrer, sem morrer de verdade. É o mais próximo que podemos chegar da morte de forma consciente, permitindo uma baita reflexão sobre ela. Reflexão fundamental, diga-se de passagem. Porque falar sobre morte é falar sobre vida. Nossa vida só é vivenciada como é, por causa da nossa finitude. E colocar a morte debaixo do tapete com um sofá em cima não apenas gera a estúpida ilusão de que temos controle sobre ela (ou que ela está bem longe da gente), como nos entorpece acerca da informação mais valiosa que nós, e somente nós, seres humanos, temos sobre nós mesmos: um dia iremos morrer. E, sinto muito, não há nada que possa ser feito contra isso.


Sorte a nossa que a Ana Cláudia, além do seu privilégio, tem talento e sensibilidade de sobra para contar um pouquinho da sua experiência para a gente. Sorte a nossa que tem gente que enfrenta o mundo para acolher esse verbo tão natural: morrer. A autora inicia o livro contando sobre como se tornou um verdadeiro espalha bolinho em qualquer evento social. Afinal, após um brinde com um bom espumante, ninguém espera que uma pergunta tão trivial como “o que você faz da vida?” seja respondida com um indigesto: “eu ajudo as pessoas a terem uma boa morte.”


Boa sim. Porque se ela é inevitável, sé resta possível que seja melhor ou pior.


E para ter uma boa morte é preciso focar justamente na vida. Porque nossa morte começa no exato momento em que nascemos. Ela acontece diariamente. Cada dia a mais é também um dia menos. No último suspiro, tendo consciência de que será o derradeiro, temos a chance de revisitar cada momento, cada escolha, cada pessoa. Temos a chance de nos arrepender e de nos perdoarmos. Temos a chance de expressar o nosso amor e receber de volta o amor que nos é destinado. Temos a chance de sorrir pela última vez, compreender o quanto valeu a pena e agradecer. Será tão mais fácil quanto mais autênticos tivermos sido em nossas trajetórias. Será tão mais fácil quanto mais tivermos respeitado os nossos valores essenciais. Portanto, passou da hora de conhecê-los e busca-los veementemente. Qualquer movimento contrário é, afinal, um movimento em direção oposta à vida.

Eu já tive medo da morte. Depois descobri que, como Gilberto Gil, meu medo era, na verdade, de morrer. Refletindo mais um pouco, concluí que o que eu temia, na realidade, era aquele momento entre a certeza da morte iminente e o último suspiro: medo da consciência do futuro que não virá. Medo de morrer afogada em um mar de saudades do que não vivi.


Lendo a Ana Claúdia descobri que esse pedacinho de tempo entre a morte e sua certeza é incrível como cada minuto da vida. Que cada segundo na vida conta. Lendo a Ana Cláudia, descobri que meu único medo é de morrer em vida. Medo de não viver.


E então? Vamos falar sobre ela?


Ela, que é a única certeza de nossas vidas?


Que tarde sim a chegar. Mas que ao chegar, seja recebida com a leveza de quem viveu dias muito bem vividos. Que seja bem-vinda a morte, em uma vida que tenha valido a pena.


Obs: esse livro é essencial, mas o triste de lê-lo durante a pandemia é perceber que tem algo que a COVID tem nos tirado, sobre o que ninguém fala. A COVID nos tira até o direito de viver a nossa própria morte. E esse não é um bom jeito de terminar a vida.


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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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