Infância não é ponte
Outro dia fiz para o Caetano aquela pergunta clássica da infância:
- Filho, o que você vai ser quando crescer?
- Médico, engenheiro e dentista.
- E paleontólogo? Você não queria ser paleontólogo?
- Paleontólogo eu já sou uai.
(sim, com uai e tudo)
Eu sei que sou suspeita, mas não é genial?
Claro, ele tem toda razão.
Ele já é.
Não paleontólogo. Mas inteiro.
Criança não é ponte.
Infância não é caminho para a vida adulta.
Infância já é a própria vida, completa como tem que ser.
Vida é todo dia. Nunca adiante. O que vale é o caminho. E na infância o trajeto é lindo todos os dias.
Mas nós, adultos, nessa nossa mania constante de viver pelo futuro, sempre em busca daquele algo mais que falta, acabamos transformando também a infância em mera passagem. Vemos a criança somente como um ser em transformação, em transição, e nunca como um ser inteiro em si.
Enchemos nossos filhos de perguntas como essa que fiz e esquecemos de ver tudo o que ele já é. Enchemos nossos filhos de futuro, roubando-lhes o seu presente.
Colocamos no balé, na natação e no judô não pelo esporte em si, mas para que adquiram a disciplina que o futuro irá exigir. Escolhemos não a escola que é melhor para eles, mas a que tem a maior aprovação no Enem, afinal, a preparação para a futuro começa no maternal. Estimulamos a autonomia, mas não queremos que eles escolham. Queremos um adulto seguro e ousado, mas uma criança obediente e amedrontada. Determinamos que eles aprendam o que queremos ensinar, mas podamos a sua curiosidade natural.
Enquanto preparamos o adulto de sucesso, nos negamos a olhar a criança nos olhos, a ouvir suas demandas e necessidades presentes. Lhes negamos voz e vontade, afinal, criança não tem que querer:
"Querer é coisa para o futuro, filho. Para hoje, basta obedecer."
E assim transformamos uma fase tão linda em mera ponte para o futuro pré-concebido.
Isso não tem nada a ver com limites. Tem a ver com reconhecer a criança como o indivíduo completo que ela é. Tem a ver com oferecer o respeito que se exige. Tem a ver com valorizar o sentir.
A infância não é só uma transição. A infância já é a vida.
E como é punjante a vida em uma criança.

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