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Tudo nessa casa é chato



Hoje Caetano acordou e, como de costume, queria ligar a TV.


Eu, também como de costume, disse que ainda não era hora.

A resposta dele, contudo, não foi nada trivial:


"Por que você sempre tem que falar isso? Isso é chato. Tudo nessa casa é chato."


Pausa para uma respiração e, enquanto respiro:


"Tudo o que você fala é chato."


Na fração de segundos em que pude pensar, instintivamente optei por sorrir. O abracei, dei alguns beijos e perguntei se ele achava chato quando eu dizia que o amava, quando eu lia uma história para ele, quando eu o levava para passear, quando cozinhávamos juntos ou quando brincávamos.


Ele ficou extremamente sem graça e disse que não.

Eu poderia, estava no meu direito, mas não fiquei chateada. Porque no fundo acho que ele tem razão.


Muita coisa na vida da gente é chata mesmo. Algumas eu demorei mais de 30 anos para aceitar, apesar disso.


Expliquei para ele que nem sempre o que é bom é o melhor a se fazer.


Mas o que hoje eu sei, e que até há muito pouco tempo eu não sabia, é que quando a gente entende isso, da pra tornar as coisas desagradáveis bem menos chatas do que pareciam ser.


Escrevo isso da minha bicicleta ergométrica. Coisa chata para mim é bicicleta ergométrica. Ainda assim faço questão de acordar antes das seis três vezes por semana para sentar por 50 minutos em cima dela. Durante anos e anos eu fiz isso remoendo o fato de estar ali. Fazia, mas remoía. Adorava quando encontrava um motivo justo para não fazer. Hoje se não vou é que me chateio. Não porque eu gosto. Na verdade morro de inveja desse povo endorfinado que faz exercício por e com prazer. Eu acho chato. Mas faço porque tem que ser feito. E com isso minha vida se torna melhor, assim como a do Caetano se tornará melhor com menos televisão.


Outro dia assisti um neurocientista bambambã dizendo que a vida não tem que ser gostosinha. Discordo veementemente. Tem que ser gostosinha sim. Mas para fazê-la gostosinha é preciso pensar de forma mais global e simplesmente aceitar que coisas chatas fazem parte da vida. E que, muitas vezes, são justamente elas que farão a vida melhor.



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      Flávia Vilhena
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Sou a Flávia. Mãe do Caetano e do Augusto. Viajante, ex-blogueira (de viagem), advogada e agora escritora...

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