Sobre o tempo

Caetano,
Tô sumida, né?
E dessa vez nem é por falta de inspiração. Tá faltando é tempo mesmo. Inspiração, aliás, tem de sobra. Uma lista de assuntos para falar. De repente, me dou conta de que lá se vai quase um mês desde a última carta. E eu nem vi o tempo passar... Ah! O tempo!
Ontem eu tive prova na pós. Combinei com seu pai de estar em casa às 18:00, assim chegaria do outro lado da cidade com tranquilidade antes das 19:00, horário da minha avaliação.
Programei a tarde toda em função disso. Tomei banho, me arrumei, preparei um lanche para comer antes de ir, troquei sua fralda e às 17:30 dei o seu mamá. Às 18:00 em ponto estávamos prontos. Levantei com você no colo para comer, torcendo para que seu pai não se atrasasse. De repente: "ploft". Alguma coisa caiu no chão.
Cocô. Cocô de bebê. Mole. No chão, no sofá, na minha calça, na minha barriga, no meu braço, na minha mão, na sua perna, no seu pé. Fiz o que podia sozinha naquela situação: rezei para o seu pai chegar logo.
E ele chegou.
18:05.
Fomos os dois para o chuveiro. Tomamos banho e, enquanto seu pai te arrumava, fui me arrumar. De novo.
Coloquei a primeira roupa que vi na frente. Sem maquiagem mesmo. Embrulhei o lanche para levar e saí correndo.
Acidentes como esse acontecem vez ou outra quando se tem um bebê. Caso você opte por ter filhos, vai saber disso um dia. E posso te garantir que nem nojo dá. É tipo normal. Mesmo.
Dito isso, o que mais poderia sair errado?
Sempre pode.
Uma chuva torrencial às 18:30, só pra transformar o trânsito que nesse horário já seria naturalmente uma m**** em uma m**** ainda maior.
E, sabe-se lá como, graças a um milagre do santo Waze, consegui chegar do outro lado da cidade às 18:55, só para descobrir que a prova era, na verdade, às 21:00.
Achei tempo para escrever.
Pode rir meu filho, eu sei que é engraçado.
Pronto?
Agora presta atenção que vem a parte séria. É sobre ele mesmo, o tempo. Sobre querer fazer tudo ao mesmo tempo. Sobre a correria dessa vida louca que levamos, nesse mundo louco em que vivemos. E não me faço de vítima não. Eu sempre gostei dessa loucura. De fazer tudo ao mesmo tempo. De ocupar cada segundo do meu dia. E se sobrava unzinho livre se quer, vinha aquela sensação corrosiva de... Perda de tempo!
Houve um tempo em que eu conseguia até ter dois empregos, acredita? Chegava às 6:50 em um, almoçava em 15 minutos contados no ponto eletrônico, saia às 13:05 e antes de 13:30 eu estava no outro, até às 19:00 ou enquanto ainda houvesse trabalho para entregar. E pode ter certeza que ainda sobrava tempo e energia pra sair umas 3 vezes por semana. Incrível! Uma verdadeira aula de como transformar 24 horas em 40.
E eu até me orgulhava disso.
Mas alguma coisa mudou, lembra?
E foi mesmo antes de você chegar.
Por isso, a partir do momento em que escolhemos, eu e seu pai, cuidar de você sozinhos, eu deveria ter deixado a pós para depois. É que eu já tinha decidido duas coisas: que não queria mais fazer tudo ao mesmo tempo e que queria te curtir ao máximo, enquanto tivesse tempo para isso.
Sábado eu cortei o cabelo. Super curto, tipo joãozinho. Quem me conheceu recentemente pode achar que radicalizei. Mas quem já me conhece há mais tempo sabe que foi apenas um retorno à minha velha e mais comum aparência. Justo agora, Caetano! No mês em que minha longuíssima licença maternidade chega ao fim. Por que seis meses parece uma eternidade, né? Não.
Não mais.
A verdade é que não vi o tempo passar. E se pudesse mudar qualquer coisa na nossa intensa convivência nesse período, seria ter adiado a pós. Porque seis meses não serão suficientes. Porque em janeiro já não serei, de novo, dona do meu tempo.
Os cabelos curtos talvez tenham sido uma tentativa de reencontrar aquela velha Flávia, que sabia lidar com isso tão bem. Mas aquela Flávia já não existe mais, lembra? Ela renasceu junto com o seu nascimento. E agora será preciso reaprender a lidar com a correria do dia a dia, herança do trabalho árduo das gerações anteriores, que batalharam duro pelo sucesso baseado na dedicação total à sua profissão. Não os culpo. Eram todos bem intencionados. É que talvez não contassem com o advento da internet, da globalização, dos corpos perfeitos de capa de revista e do caos no trânsito. E agora, de cabelos curtos ou longos, precisarei reaprender a trabalhar, fazer academia e comer de forma saudável, fazer pós e inglês, ser bem informada, alimentar redes sociais, dirigir em horário de pico e cuidar de você. Parece muito. Mas se todo mundo consegue, devo conseguir também.
E essa carta, que a princípio parecia tão engraçada, talvez seja a mais séria que já escrevi para você. Porque não sei se continuarei conseguindo escrever a partir de janeiro. Por isso, guarde bem essa lição, Caetano: nunca deseje que o próximo natal chegue mais rápido. Não há nada mais valioso em nossas vidas do que o tempo passando devagar. Se assim ela já e sopro, correndo ela não passa de um quase imperceptível suspiro.
Ontem ouvi da nossa terapeuta que devemos tentar "correr por fora". Gostaria de me permitir ser mais ousada e, quem sabe, deixar tanta correria "de fora". Será possível?
Fica lançado o desafio.