Essa tal de natureza

Quem é essa aí fora?

Essa tal de natureza?

Me sinto bem confortável em casa, é verdade, embora esteja começando a me entediar com a rotina há um ano tão monótona.

Faz cada vez mais falta aqueles pequenos momentos de êxtase.

Mas faz mais falta ainda a natureza. Me faz falta a beleza.

Tento fazer contato com ela.

Acordo cedo para ouvir os passarinhos que, no silêncio, habitam a selva de cimento.

Olho para a janela em busca do horizonte. Vejo o céu, sempre celestial, e uma linha infinita de concreto cinza, marrom, ocre.

Falta vida. Falta beleza.

Se olho para baixo, vejo um corredor verde. Adorno para o asfalto. É o que resta de vida não humana na capital.

Trazemos um pouco de natureza para dentro da cidade. Como se não fosse ela, a cidade, quem tivesse sido artificialmente construída em meio à natureza.

Me lembro das cidades europeias em que estive, testemunhas de uma época em que nos agrupávamos em torno da natureza, em que sabíamos que dependíamos dela. Há sempre um grande rio, uma fonte de vida. Por aqui, até os rios foram concretados. Nos afastamos cada vez mais, como se quiséssemos reforçar: nós aqui, a natureza lá.

Me parece que nosso maior erro foi ter separado o homem do que é natural. Ter nos separado como espécie dos demais seres vivos.

Como se a natureza estivesse fora da gente.

Como se nós não fôssemos a própria natureza.

Por que nos referimos à natureza sempre em terceira pessoa?

Como se ela fosse uma entidade externa?

Como se nós não fizéssemos parte dela?

Como se não fôssemos obra dela?

Em nossa prepotência, agimos como se a natureza precisasse de nós. Nos esquecemos que ela, muito mais experiente, sobrevive há milhões de anos sem a nossa interferência. Até mesmo sem a nossa existência.

Muito pelo contrário então. Nossa intervenção tem matado a natureza. E se nós somos a própria natureza, nossa intervenção tem matado é a nós mesmos.