Quando a humanidade falta
Na última semana abracei e beijei meu filho de 4 anos como nunca. Por vezes tive ímpetos de colocá-lo de volta na barriga. Mas ele mal cabe mais no meu colo. E quanto mais percebo que o colo está pequeno, mais me sinto angustiada. Me angustia saber que precisarei protege-lo mesmo quando ele estiver inevitável e inúmeras vezes longe, longe desse porto seguro que lhe traz tanta confiança.
Confiança!
É na base dela que pretendo seguir firme nesse instinto protetor, mesmo quando não for possível estar perto. Ao mesmo tempo em que encho meu filho de afeto, tento relembrá-lo diariamente do quanto ele pode e deve confiar em mim.
Só quem já conviveu com uma criança diariamente sabe o tamanho da pureza e da inocência de um pequeno humano. Em meio a tanta pureza e inocência, só há uma forma de sobreviver: confiar. E a confiança que as crianças depositam em seus cuidadores é o sentimento mais bonito, intenso e genuíno que já pude presenciar.
Essa confiança que é sua única arma de sobrevivência, tão importante quanto comida ou água.
Tanto se fala sobre dormir como um bebê, sendo que bebês, regra geral, nem dormem bem. Fico pensando de onde pode ter surgido essa expressão. Criei então uma teoria para mim. Imaginei que lá nos primórdios da humanidade, quando nossos ancestrais viviam completamente vulneráveis na savana, era necessário estar sempre alerta contra os inúmeros perigos da vida selvagem. Nesse contexto de salve-se quem puder, presumo que dormir era sempre um grande risco, um descanso nada sereno. Menos para as crianças. Elas sim podiam dormir verdadeiramente bem. Não apenas porque ignoravam os perigos da natureza, mas porque confiavam plenamente em seus cuidadores. Quem já teve um bebê dormindo em seu colo sabe do que eu estou falando. Dessa entrega total e completa. De se permitir estar completamente vulnerável, com base na certeza de que se está protegido.
Crianças dormem e vivem assim. Entregues.
Essa confiança é a base da evolução da nossa espécie. Portanto, se alguém trai a confiança de uma criança, está abrindo mão não apenas do amor. É muito mais brutal do que isso. Trair a confiança de uma criança é abrir mão de qualquer lampejo de humanidade, em seu sentido mais biológico.
Na última semana, no meio do caos, no meio do pior momento da pandemia, no meio dos recordes, meu choro por uma única vida foi um choro por toda a humanidade que se fez ausente dentro dela.

Comments